OS DESAFIOS DA IGREJA EM SER IGREJA

É notório que o Evangelho de Mateus, dentre os evangelhos sinóticos, é o mais judaico. Ele visa fazer uma releitura do Antigo Testamento colocando pontos comuns para a sua comunidade de fé. Daí essa semelhança, por exemplo, de Jesus com Moisés, onde Mateus faz um paralelo entre Jesus e o grande ícone do Antigo Testamento. Assim como Moisés vai para o Egito, Jesus também; assim como o Faraó mata recém-nascidos no Egito, Herodes faz o mesmo na Judéia; assim como Moisés sobe ao Monte Sinai e recebe os Dez Mandamentos e dá ao povo, Jesus sobe ao monte e proclama as bem-aventuranças, e tem que ser dez também.
Uma vez trabalhando com a comunidade de fé, Mateus, assim como o povo hebreu sob os cuidados de Moisés, quer fazer um tratado com a comunidade, que para Mateus é a igreja (únicas referências nos evangelhos sinóticos, por exemplo, Mt 16.18), por isso o Sermão do Monte é direcionado aos discípulos (Mt 5.1). Assim como Moisés tornou conhecido os Dez Mandamentos, Jesus, no monte, quer tornar conhecido aos seus discípulos o caminho da comunidade, ou seja, do discipulado. São atitudes que os “membros” da comunidade deveriam ter em relação a Deus, aos outros e a si mesmos. Em outras palavras, Mateus está dizendo: “deveria ser assim a comunidade de discípulos de Jesus”.
As palavras do Sermão do Monte precisam ser internalizadas. As palavras de Jesus não podem ser apenas lidas e observadas, precisam modificar nossas vidas. Este é o desafio. O Sermão do Monte não é um conjunto de preceitos éticos e morais; o texto não está falando de doutrina, regras ou coisa parecida. Jesus está dizendo: deveria ser assim. Quem agir assim é bem-aventurado, é feliz.
O Sermão do Monte é uma caminhada, um ideal a ser seguido, não é algo pronto, mas um processo. Quem conseguir trilhar este caminho é feliz. É bem-aventurado quem conseguir desenvolver a mansidão, porque a arrogância é mais fácil; é bem-aventurado quem conseguir ser misericordioso, porque o egoísmo é o natural; é bem-aventurado quem conseguir ser pacificador, porque fazer guerra é mais comum. Mateus está dizendo: “deveria ser assim”. É um ideal a ser seguido, mesmo errando e acertando, mas caminhando.
Além do Sermão do Monte – onde ele coloca o como a comunidade deveria ser –, Mateus (20.1-16) trata da parábola da vinha, e aqui sigo Joaquim Jeremias que identifica a parábola sendo a do bom patrão. A parábola do bom patrão quer tratar, peculiaridade de Mateus, a relação da graça de Deus com a comunidade de fé, e neste sentido, as questões que Mateus levanta, nós comumente enfrentamos.
O primeiro ponto é entender a graça de Deus. As pessoas tendem a colocar Deus dentro de uma redoma, com suas ideias, preconceitos e valores, e julgam que Deus não ultrapassa aquele perímetro. A maneira como as pessoas se relacionam hoje é baseada no mérito; a maneira de Deus se relacionar é baseada na graça.
Se a parábola é endereçada à comunidade de fé (aos discípulos), o problema é a graça do bom patrão para com os trabalhadores das últimas horas e o pagamento igualitário para com os das primeiras horas. O desenrolar da estória é conhecido. Seria o problema de Mateus aquelas pessoas que já pertenciam a comunidade de fé e a relação com os novos membros? Estaria Mateus tentando responder: quem chegou primeiro tem a preferência, tem a primazia?
Minha conclusão é de que Mateus está dizendo que todos são iguais, porque a graça de Deus iguala a todos! Isso é assim queiram ou não! Não importa quem chegou às primeiras horas e quem só apareceu nas últimas horas do trabalho. Todos são iguais!
Haverá aqueles que sempre vão querer questionar a bondade de Deus por ele fazer questão de igualar a todos, sem distinção. Na comunidade de Mateus é assim: não importa quem chegou por último ou primeiro, todos são tratados com igualdade. Mas sempre haverá na comunidade de fé pessoas que, por estarem primeiro, irão querer se aproveitar disso para dizer o que pode e o que não pode ser feito; o que deve e o que não deve ser. Sempre haverá aqueles que irão apontar o dedo e dizer: “ele/a não pode fazer isso; ele/a chegou depois”.
A igreja no Evangelho de Mateus é assim: não há primeiros e nem últimos; os últimos não estarão atrás, nem os primeiros estarão na frente. Na igreja de Mateus havia pessoas que se incomodavam com a graça de Deus, mas a questão não é com a bondade de Deus, mas sim com os olhos que estão contaminados com a falta de misericórdia e amor aos irmãos.
Ainda no capítulo 20, mas os versículos 17-28, Mateus dá mais uma indicação de como deveria ser a igreja. Aqui em Mateus o texto ganha conotação comunitária, diferente de Marcos, por exemplo, em que o mesmo texto tem a função de ensinar os discípulos o caminho de Jesus, ou seja, a cruz.
Aqui Mateus coloca a lógica da comunidade de fé; de como deveria ser o tratamento entre os discípulos. Para a comunidade de Mateus a lógica do crescimento não é para cima, e sim para baixo. Não há relação de poder, ou seja, quando a vontade de alguém, ou de um determinado grupo, se impõe sobre os outros. O que há na comunidade é uma relação servil. Para a comunidade de Mateus o caminho para ser “grande” – se é possível isso dentro da comunidade –, passa por baixo; é ser servo. Servir é fazer algo em benefício do outro. É doar-se ao outro sem arrogância ou prepotência. Quem quiser ser importante deverá ser servo; quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo. Para Mateus crescer é para baixo e não para cima. Se quisermos saber o quanto estamos crescendo espiritualmente, basta avaliarmos o quanto de servo estamos nos tornando.
Essa igreja é possível? Sim, basta deixarmos Jesus ser o pastor.
Alonso Gonçalves
Igreja Batista Central em Pariquera-Açu, SP

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